A face perversa do Recrutamento Digital

Agosto, 2017

A indústria de recrutamento e seleção de pessoal tem vindo a experimentar, nos últimos anos, profundas transformações. Apesar das vantagens práticas aportadas pela digitalização do setor alguns dos processos atuais podem desafiar o cumprimento das novas normas europeias de proteção de dados pessoais.

A turbulência do mercado de emprego nas economias desenvolvidas e em fase de desenvolvimento tem vindo a acentuar-se em todo o mundo. À medida que cresce a escassez de profissionais, provocada pelas exigências tecnológicas e os efeitos do “drain brain”, nos países emergentes tem vindo a acentuar-se uma alteração de práticas nos mercados de trabalho, como a transferência do anterior poder de decisão dos empregadores para os candidatos das novas gerações.

A rarefação, em todas as latitudes, de profissionais qualificados tem vindo a obrigar as empresas a aderir a novos protocolos de recrutamento - decidir com rapidez, negociar novas condições de remuneração, definir perspetivas de carreira e a abrir mão de alguns privilégios que tradicionalmente constituíam os alicerces do poder do empregador.

Para além da alteração de atitudes e paradigmas das práticas do recrutamento, a utilização intensiva das redes sociais e a mediação de plataformas especializadas como o Linkedin, vieram provocar a aceleração do timing dos processos e determinar mudanças significativas nas relações profissionais entre empresas de recrutamento, clientes e candidatos.

Generalizaram-se as situações nas quais muitos clientes passaram a optar por regimes de contingência - nos quais um processo de recrutamento é distribuído, simultaneamente, por três ou quatro fornecedores - na convicção enganosa de que a competitividade gerada se traduza por maior número de candidatos e maior rapidez dos processos.

Perante alternativas de “pagamento por sucesso”, muitos DRH’s tem dificuldade em resistir à tentação de optar entre uma empresa especializada, que exige um investimento inicial para garantir os custos de abertura de um processo, e as ofertas de outros players, que lhes propõem apresentar candidatos sem qualquer “fee” inicial e se sujeitam a disputar o trabalho em regime de concorrência aberta, com três ou quatro entidades congéneres.
Em termos práticos, o contrato de “success fee” prejudica todos os intervenientes: não beneficia a imagem corporativa da empresa que recruta, suscita a perplexidade de candidatos passivos - que habitualmente não respondem a anúncios - por serem assediados simultaneamente para a mesma oportunidade - e retira eficiência e qualidade a consultores, a quem os timings da contingência não dão o tempo necessário para pesquisar, entrevistar e motivar os candidatos adequados.

Enquanto em regime de “retainer” o consultor oferece garantias de qualidade que envolvem um trabalho prévio de análise da função a preencher, um processo minucioso de pesquisa e apresentação da oportunidade a candidatos qualificados, os consultores que trabalham em “regime de contingência”, pressionados pela ameaça da eventual antecipação de concorrentes mais expeditos, são forçadas a recorrer, em muitos casos, à apresentação de cv’s, parqueados em bases de dados e a elaborar sínteses curriculares que podem vir a circular ao sabor da urgência dos pedidos e da necessidade de atingir objetivos a qualquer custo.

Ainda que muitas organizações reconsiderem que as economias iniciais se transformaram em prejuízos, a imagem da indústria de recrutamento não sai, a médio prazo, beneficiada com práticas desta natureza.

Amândio da Fonseca,
Fundador e CEO da EGOR

*in Revista Pessoal, julho/agosto 2017

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