Outubro, 2017
A tragédia dos incêndios no norte do País inviabiliza quaisquer comentários que fosse oportuno fazer, nesta edição de outubro, sobre faturação, clientes, redes sociais, economia, legislação etc. ou outros temas e preocupações do dia a dia.
Para compreender as causas da morte de uma centena de portugueses, é indispensável não esquecer que estamos num país onde a caça ao voto, o embuste das promessas eleitoralistas e a ganância de manter o poder, se sobrepõe ao reconhecimento dos graves problemas que afetam o País.
As sociedades são organismos vivos que, tal como nós, são acometidas por doenças e manifestam sinais de mal-estar e degradação. Os incêndios de Pedrogão e da Beira Baixa não foram mais do que “os sinais de doença” de uma nação onde, a par do desinteresse coletivo e da abstenção eleitoral, todos nós aceitamos e elegemos políticos que olham mais às conveniências partidárias do que aos interesses do País e onde os dirigentes e responsáveis pelas funções do Estado são, na generalidade dos casos, escolhidos mais em função das fidelidades e amizades políticas do que das competências técnicas.
Os incêndios foram, desde sempre e na história da humanidade, um processo biológico de renovação da Natureza. Desde o início da história que o planeta tem registos de catástrofes e incêndios gigantescos, causados por fenómenos naturais, indispensáveis para a criação de novas pastagens e limpeza dos excessos de matéria florestal que impedem a vegetação de se renovar.
Nos países onde a importância da floresta, como fator de riqueza e equilíbrio do meio ambiente, é objeto de políticas e estratégias estruturantes, o homem assegura a renovação através da limpeza periódica do excesso de matéria vegetal acumulado no solo.
Nos países quentes e secos, como os do sul da Europa, as queimadas foram sempre uma prática tradicional dos pastores e a forma mais prática de renovar os pastos para os rebanhos e carregar os solos de energia solar.
Com o decorrer dos tempos e à medida que os grandes rebanhos desapareceram e as pessoas abandonaram os campos, a limpeza das florestas, que proporcionavam o combustível para cozinhar a alimentação e aquecimento das casas, deixou de ser feita. Nos anos em que períodos longos de chuva provocam um invulgar crescimento da vegetação - como aconteceu em 2016 - e são seguidos por períodos de seca e muito calor, surgem as condições para grandes incêndios incontrolados, não apenas em Portugal como noutras regiões, com condições climáticas semelhantes.
Paradoxalmente existem, há muito em Portugal, meios técnicos acessíveis e rentáveis que permitem transformar a matéria vegetal excedentária, através de equipamentos que destroçam e trituram arbustos e mato. Para além das vantagens da limpeza das florestas, as estilhas vegetais servem de combustível para indústria e geração de gás e energia, através das centrais de biomassa.
Há dezenas de anos, existia na Bélgica um agricultor pioneiro, chamado Jean Le Pain, que extraia, de forma artesanal, de um amontoado de resíduos vegetais em fermentação, o gás necessário para usos domésticos e para alimentar o automóvel em que se deslocava. Em muito países, a concessão de benefícios e subsídios aos proprietários só é possível, se as florestas estiverem limpas e forem corretamente geridas em termos de espécies florestais e proteção contra incêndios.
Esses equipamentos existem em Portugal, mas poucos proprietários - incluindo o Estado - os utilizam. Daí que, para além da ausência de medidas de gestão das florestas, por entidades publicas e privadas, se tenham acumulado, ao longo das ultimas décadas, as condições ideais para que a própria Natureza tenha sido forçada a encarregar-se - com custos terríveis - das tarefas que as sociedades deveriam ser capazes de fazer.
As grandes empresas portuguesas de celulose constituem, há muitos anos, um exemplo a seguir de práticas eficazes de combate aos incêndios. Nos milhares de hectares de plantações de eucaliptos que exploram, não se verificam incêndios significativos nos últimos anos. A par da permanente limpeza da floresta ao longo do ano, quando ocorre algum sinal de ignição, equipas privativas de bombeiros acorrem, imediatamente, a extingui-los.
Todos nós, somos responsáveis por garantir que, no futuro, não fiquem no papel, as medidas agora tardiamente anunciadas, para evitar a repetição dos cenários de dor e destruição que, neste Verão de 2017 de má memória, arruinaram os sonhos e as vidas de tantas pessoas inocentes.
Amândio da Fonseca
Fundador e CEO da EGOR