Dezembro de 2019
Amândio da Fonseca | Chairman e Fundador do Grupo EGOR
Visto de longe, a primeira imagem do edifício, tem a silhueta de um grande disco voador pousado, sobre uma elevação de terreno, como se tivesse sido colocado no horizonte, sobre um altar. Os edifícios baixos, à volta do núcleo central só começam a tornar-se visíveis à medida que o autocarro se aproxima da fábrica da Porsche, a uma vintena de quilómetros de Leipzig, a cidade histórica no norte da Alemanha, onde o Benfica disputou a presença na Taça Europa ou eventualmente na Champions League.
De repente estamos nos domínios da marca. Há parques de estacionamento com muitos Porsches, mas sobretudo é impossível ignorar os circuitos helicoidais das pistas alcatroadas, com curvas apertadas e retas compridas onde circulam carros que, sob a chuva miúda, se percebe não estarem a passear. De quando em quando param ou arrancam de imediato a testar não se percebe o quê.
A entrada no edifício principal, sob o cogumelo central, faz-se pelas entranhas subterrâneas para um hall gigantesco que se prolonga, ao fundo, com espaços de receção, lojas com uma imensa gama de artigos de merchandising, onde reina um Porsche laranja, em tamanho natural, totalmente construído com peças de legos. As miniaturas e as reproduções dos modelos variam entre o Carrera topo de gama e os tratores da marca do tempo da guerra misturados com prateleiras com óculos, roupas, acessórios, livros etc.
A entrada na fábrica, de onde saem para todo o mundo os modelos mais recentes da Porsche, só é permitida depois de previamente depositados telemóveis, máquinas fotográficas e anoraques que o tempo exige em novembro na Alemanha. A fábrica está aquecida esclarece a guia, que nos vai servir de cicerone, numa visita de cerca de duas horas. A sensação imediata ao entrar na nave principal do edifício é o de estarmos num organismo vivo, onde cada célula, cada órgão surge animados de vida. Do alto da nave, em perpétuo movimento surgem e circulam sem pressa nem lentidão as carroçarias dos Panamera e dos Cayman que, de forma ritmada e precisão germânica, ora baixam ora sobem, se entrecruzam, aparentemente sem sentido, param subitamente para receber peças, testar apertos, receber acessórios, montar vidros e ganhar forma à medida que se aproximam da área de acabamento final onde um grupo de técnicas de bata branca testa a cor do carro sob os efeitos de holofotes potentes.
Nas linhas de montagem onde as carroçarias se cruzam aparentemente sem nexo, destacam-se os carros destinados aos clientes chineses, com mais 15 cmts que os restantes, a par de outros com corres berrantes e violentas que os clientes árabes exigem. Ao nível dos visitantes circulam pessoas com fatos de trabalho que, sem pressa, executam tarefas aparentemente simples, conversam, de pé ou sentados em mesas laterais que tanto podem servir para reuniões de equipa, análise de mapas de trabalho ou pousar a garrafa de água, o café ou o refrigerante das máquinas automática. Nos corredores amplos circulam mensageiros de skate e veículos que não se percebe para onde vão mas que param quando um visitante se afasta das linhas de circulação ou se atravessa na rota.
À volta reina a mais absoluta ordem e limpeza. Não estamos numa linha de montagem de automóveis, mas antes naquilo que mais parece ser uma clínica asséptica, onde tudo brilha e reluz de limpeza e ordem. Os técnicos e operários vestem roupas coloridas onde parece haver alguma diferenciação de responsabilidades. Há pessoas muito jovens mas também pessoas com idades na ordem dos 50/60 anos . Na maioria nitidamente alemães, mas há também outras raças. Aparentemente mais frequentes nos serviços de apoio do que na linha de montagem.
A guia informa-me que só os RH’s têm indicadores relativos à gestão das pessoas, mas pensa que a rotação de pessoal não excede anualmente 1% das centenas de trabalhadores que nos postos de trabalho, concentrados e atentos, aparentemente sem stress, talvez só reparem nos visitantes porque se passeiam com os cachecóis do Benfica ao pescoço…
Da fábrica de Leipzig saem, todos os dias, meio milhar de carros, todos diferentes, todos personalizados, todos antecipadamente, encomendados por clientes que sonharam e especificaram os pormenores de um carro feito à medida das suas posses e caprichos. No restaurante da fábrica destinado a clientes há meses com grupos de pessoas que vieram levantar os carros à saída da fábrica. Noutra área de restaurantes os convidados do Benfica almoçam, vis a vis com o museu da Porsche, onde há modelos da marca para todos os gostos e fantasias pouco acessíveis ao comum dos mortais.
Enquanto almoçamos vemos na pista de testes, carros que continuam a circular afadigados, aparentemente sem um objetivo na tarde cinzenta e enevoada que circulam com faróis acesos neste fim de tarde de uma visita inesquecível. Saio com a sensação de ter conhecido uma nova função humana: os guardadores dos robots.