A REMOTOPIA JÁ NÃO É UMA UTOPIA

Dezembro de 2020

Amândio da Fonseca | Chairman e Fundador do Grupo EGOR

Em 2019 um survey revelou que 99% dos inquiridos consideravam que trabalhar alguns dias remotamente em casa seria preferível a ter que usar transportes para ir trabalhar.

Há alguns meses esta aspiração tornou-se uma realidade que vai ficar na história, não apenas por constituir um passo decisivo na gig economy, mas também por ter surgido associado a uma pandemia, que colocou a vida das pessoas e das organizações de pernas para o ar.

Numa primeira fase, a maioria das organizações preocupou-se sobretudo em manter uma relativa normalidade dos negócios e a encarar o trabalho remoto como se ele fosse, na essência, pouco diferente do trabalho no escritório.

Para os novos players, a comunicação e a confiança tornaram-se as chaves de ouro para gerir o trabalho à distância. A par das ferramentas e equipamentos o sucesso da comunicação depende agora de os gestores confiarem que as pessoas trabalham de forma eficiente e produtiva e os trabalhadores acreditarem que os gestores terão em conta os riscos de isolamento social e desgaste profissional do trabalho em casa.

Muitas pessoas estão, nesta altura, a trabalhar em casa há sete ou oito meses. Enquanto muitas delas se habituaram, criaram rotinas e descobriram vantagens no novo figurino laboral, muitos outros poderão estar a sentir-se à beira da exaustão. Em Outubro de 2020, o World Economic Forum divulgou os resultados de um estudo do Instituto IBM que entrevistou 400 CEO’s nos Estados Unidos enviou questionários a 50000 pessoas em oito países e inquiriu cerca de 4000 gestores de vinte nacionalidades . Na maioria dos casos, os inquiridos mostraramse satisfeitos pela forma como tinham gerido a transferência das suas equipas do trabalho “on site” para o trabalho remoto. Uma parcela significativa acreditava estar a participar num processo de transformação do mundo do trabalho capaz de responder a aspirações de maior equilíbrio entre a vida familiar e a carreira profissional.

Cerca de três quartos dos gestores que participaram no survey sentiam igualmente estar a ajudar os trabalhadores a aprender novas formas de trabalho. Mas as reações dos trabalhadores deram uma pintura menos otimista da situação.

Embora os gestores tivessem manifestado a convicção de que as suas equipas estavam a receber o apoio e a formação que necessitavam, menos de dois quintos dos trabalhadores admitiram estar a receber formação, mas lamentavam ter perdido o relacionamento face-a-face que o trabalho no escritório lhes proporcionava.

O survey da IBM revelou também que, para além de um quinto dos trabalhadores ter perdido os postos de trabalho, muitos outros se sentiam cansados e sobrecarregados de trabalho A divisão tornou-se ainda mais clara quando foi abordada a questão do apoio físico e a saúde emocional. Oito em cada dez gestores acreditavam estar a cumprir o objetivo. Mas apenas 46% dos trabalhadores acreditavam que as empresas estivessem preocupadas com o seu bem-estar.

A pesquisa também revelou que a preocupação das empresas em cortar custo e adotar tecnologias da inteligência artificial – ainda que necessária - para responder ao impacto económico da pandemia estava a reforçar nos empregados a suspeita de que as organizações os olham, cada vez mais, como descartáveis.

Tudo indicia, em suma, que o céu não será tão azul como o pintam e que existe uma diferença grande entre aquilo que os empregadores pensam estar a oferecer aos empregados e aquilo que os empregados sentem ser a realidade.

A remotopia tornou-se um desafio impossível de ignorar. Mas é obvio que trabalhadores e empregadores vão ter que encontrar soluções que conciliem as vantagens da produtividade do sistema com os riscos de burnout e isolamento que podem pôr em causa a viabilidade do trabalho remoto.

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