Quase quatro décadas depois, Amândio da Fonseca continua a sentir prazer no que faz e acompanhar a mudança dos tempos é o que o mantém inspirado. Entre as inúmeras mudanças na evolução da área de Recursos Humanos, o presidente do Grupo Egor destaca a valorização das pessoas. Por Tânia Reis
Licenciado em Psicologia e Ciências da Educação pela Universidade Clássica de Lisboa, Amândio da Fonseca iniciou a sua já longa carreira em plenos anos 70, na consultoria. Desde então, acumulou conhecimento e experiência nas áreas do recrutamento e selecção, sistemas de melhoria de qualidade, formação e desenvolvimento de quadros. Em 1986, fundou a Egor Portugal, empresa onde ainda hoje, com 86 anos, ocupa o cargo de presidente do Grupo Egor.
Atento à evolução da economia e do mercado de trabalho, acredita que hoje são mais os prós do que contras no mundo da Gestão de Pessoas, mas deixa vários alertas, nomeadamente para a ineficácia das medidas para travar a saída de talentos e para os avanços da Inteligência Artificial Generativa.
A Egor está a celebrar o seu 38.º aniversário. Como assinalaram a data?
Organizámos em Junho uma festa-convívio inspirada nos Santos Populares que reuniu, em Lisboa, cerca de duas centenas de colaboradores de todo o país.
Foi o Amândio que a fundou… Que desafios enfrentou, há quase quatro décadas?
Nos últimos 38 anos, o processo de integração de Portugal na Comunidade Europeia provocou profundas mudanças, não apenas de natureza económica, cultural e social, mas sobretudo na experiência de vida dos portugueses. Como fundador da Egor, tive o privilégio de participar no processo de transição de uma cultura paroquial de gestão de Recursos Humanos, via um processo de modernização que envolveu novos players e uma maior valorização das pessoas.
Que principais marcos destaca no mercado de trabalho nestas quase quatro décadas?
O facto de a recém-fundada Egor Portugal ter ultrapassado com sucesso o desafio da europeização deve-se, em muito, ao apoio da Egor International entre Maio de 1986 e a concretização, em 1992, do MBO [Management Buy Out, ou seja a aquisição de uma empresa pelos seus próprios gestores ou administradores], que permitiu à Egor Portugal a aquisição de 100% do capital social.
Pesando os prós e contras, que balanço faz dessa evolução?
As transformações nas últimas dezenas de anos nos sectores do recrutamento e Gestão das Pessoas são inúmeras. Anteriormente, não era fácil aceder a funções de topo, a ascensão na carreira era lenta e difícil, e as candidaturas eram encaradas com desconfiança quando não estavam escoradas em cunhas e recomendações pessoais. O gradual desenvolvimento da economia e uma nova dinâmica do mercado de emprego, resultante da avalanche de empresas internacionais que se estavam a instalar por todo o País, deram um contributo fundamental, não apenas para uma gradual mudança das práticas de recrutamento e selecção de quadros, mas também para a consolidação dos resultados dos escritórios da Egor em Lisboa e no Porto.
A transformação digital é uma realidade incontornável. Que impacto acredita que a Inteligência Artificial (IA) terá no trabalho nas empresas e nas pessoas?
A transição digital é a chamada pergunta de um milhão de dólares. Quando nos damos conta da rapidez com que a Inteligência Artificial Generativa está, diariamente, a apropriar-se de competências que julgávamos inacessíveis, é difícil não encarar com estupefacção a mensagem em que Elon Musk admitiu, em 23 de Maio de 2024, num evento realizado em Paris pela VIA Tech, a eventualidade de a IA e os robôs virem a ser capazes de fornecer qualquer produto ou serviço, e encarar, no futuro, os trabalhos humanos como meros hobbies.
Poderá eventualmente, pelo menos, com a maior libertação de tempo, ajudar numa maior conciliação da vida pessoal e profissional… Também com esse objectivo, as empresas têm apostado numa maior flexibilidade e em novos modelos de trabalho. É este o caminho? Como analisa essa mudança?
Muito positivamente. Na Egor, como empresa activa no sector em que actua, esforçamo-nos não só para as implementar, mas também para tentar ser pioneiros na sua aplicação. Um exemplo muito concreto é o da aplicação do trabalho híbrido.
Outro tema na ordem do dia é o da escassez de talento? Como o encara e que soluções acredita que poderiam minimizar essa realidade?
Continuo a ter uma estreita ligação a um projecto da Egor que, ao longo dos últimos vinte anos, envolveu alguns milhares de finalistas das principais universidades portuguesas. Baseado na auscultação das motivações e sonhos das sucessivas gerações do Primus Inter Pares [iniciativa do Santander e do Expresso, que visa contribuir para o desenvolvimento de uma cultura de rigor, de profissionalismo e de excelência, através de formação académica complementar], tenho fundadas dúvidas de que, no médio prazo, medidas bem-intencionadas, como reduções de impostos ou facilidades de habitação, consigam limitar a ambição de conhecer outros países, viver novas experiências e aceder ao primeiro emprego com condições salariais, e oportunidades de carreira, que o seu país não lhes consegue proporcionar.
A par dos incentivos à mobilidade, de que as gerações Erasmus beneficiaram, a intencionalidade das políticas de “brain drain”, utilizadas por determinados países e por grandes empresas mundiais, torna difícil suster a drenagem de talentos de que os países menos favorecidos são vítimas. Assim, por uma ironia da nova economia, a hemorragia de talentos e mão-de-obra qualificada de que as empresas se queixam, tornou-se um dos custos mais pesados que estamos condenados a continuar a pagar.
No que diz respeito ao envolvimento dos colaboradores, como podem as empresas tornar-se realmente mais atractivas?
Na Egor, a retenção dos colaboradores é uma preocupação constante, na medida em que ser colaborador ou ex-colaborador aparenta constituir um factor de atracção para o mercado. Estamos a procurar reduzir a rotação através de uma política sistemática de incentivo e bónus, indexados ao mérito e à produtividade das equipas. Estas medidas visam não só reduzir a rotação, mas também racionalizar os casos em que a saída de um colaborador constitui a solução mais vantajosa para todas as partes.
Acredito que os custos de uma política justa de remuneração tenderão cada vez mais a ser compensados, não só pela redução dos custos da rotação, mas sobretudo pela retenção de colaboradores motivados.
Da perspectiva inversa, quais as características que mais aprecia nas pessoas com quem trabalha?
Capacidade de conseguir fazer e concretizar nas suas áreas de competência, assim como honestidade pessoal, gostar genuinamente do que faz, vestir a camisola e ser capaz de distinguir entre um copo meio cheio e outro meio vazio.
Exerce o cargo de presidente do grupo Egor desde 1986. O que o mantém inspirado e motivado?
O facto de continuar a sentir prazer naquilo que faço. Agora, com mais tempo, continuo, com a ajuda de uma equipa, a orientar a concepção e lançamento de novas áreas de negócio, novas marcas e outras iniciativas. Acompanhar a mudança dos tempos mantém-me sempre inspirado e entusiasmado.
Há algo de que se arrependa neste seu percurso profissional?
Gerir implica ter a coragem de assumir riscos de vária ordem. Existem situações e oportunidades em que me arrependo do que fiz e outras também do que não fiz. Gerir implica tomar decisões que raramente são fáceis, mas frequentemente são impopulares. A verdade é que a Egor está cá, há 38 anos, maior, mais forte e com uma presença mais relevante no mercado.
Para si, um bom líder é…
Ser líder é, na minha opinião, diferente de ser gestor. Um líder distingue-se por fazer não apenas o que um gestor faz, mas sobretudo por ter o grão de curiosidade e de inquietação que o levam a intuir aquilo que outros ainda não intuíram, ter a coragem de correr riscos e não desistir daquilo que, muitas vezes, não era mais do que um sonho. A cereja no topo do bolo de um bom líder é conseguir transferir essa visão e entusiasmo pela sua concretização, a toda a equipa.